Por Rafael Custódio, José Ribeiro e Eduardo Baker Artigo publicado na folha
No
início de julho, representantes de entidades de direitos humanos que figuram
como peticionárias em denúncia contra o Estado brasileiro na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH) realizaram inspeções em quatro
das oito unidades do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís do
Maranhão. A vistoria tinha por objetivo monitorar o cumprimento de medida
cautelar concedida em dezembro pela Comissão, instando o País a proteger a vida
e integridade dos presos. O resultado das visitas deveria envergonhar o país da
“Copa das Copas”: as condições medievais de detenção em Pedrinhas seguem
inalteradas, apesar do escândalo suscitado, no início do ano, pela imagem de
presos sendo decapitados dentro do complexo.
A
comida e água são de má qualidade, os cuidados médicos praticamente inexistem,
falta assistência jurídica e as denúncias de tortura e maus tratos, assim como
multiplica-se o número de presos dentro das celas. E há, é claro, as mortes:
durante os poucos dias de inspeção, foram três. Dois casos são tratados como
suicídios. Um dos presos havia conversado com o grupo horas antes, visivelmente
perturbado. Soubemos de seu falecimento pela imprensa local. O terceiro detento
foi enforcado e espancado. Logo após nossa saída, ainda naquela semana, outra
morte violenta. Em Pedrinhas, a tensão entre facções rivais não é aparente, mas
palpável.
O
governo do Maranhão conta 12 mortes nos sete primeiros meses de 2014. São 17,
se considerarmos as outras unidades do estado. O diagnóstico é um só: o País
não cumpre a determinação da Comissão Interamericana e nem sua própria lei
interna.
O
sistema de justiça maranhense é falho e omisso em sua missão precípua de
preservar e reparar direitos. Os mesmos adjetivos podem ser atribuídos aos
executivos estadual e federal. Mutirões, transferências de presos, ocupação
pela Força Nacional de Segurança e pelo batalhão de choque da Polícia Militar,
além da construção de novas unidades, foram algumas das providências anunciadas
com pompa pelas autoridades de várias esferas e escalões, mas em nada
transformaram a realidade cotidiana do Complexo.
Presos
que sequer tinham que estar presos, presos que já cumpriram sua pena, presos
que deveriam estar em regime semiaberto ou aberto. Estão todos lá. Presos com
claros transtornos mentais abandonados à própria sorte. Presos sem advogados.
Presos viciados em drogas e presos doentes. Todos sem política de saúde
adequada.
Para
piorar o cenário, há uma verdadeira estratégia de privatização caminhando a largos
passos em todas as unidades do complexo, com a permanência de pouquíssimos
agentes penitenciários concursados. O que se faz é contratar “monitores” e
agentes de segurança privada, que perambulam pelos corredores armados e
encapuzados. Empresas lucrando, e muito, no descalabro do poder público.
Depois
da concessão da medida cautelar pela CIDH em dezembro de 2013 e da divulgação
das imagens de decapitação pela Folha, inúmeras manifestações de indignação
inundaram as páginas dos jornais. O fato é que o complexo continua sendo um dos
piores locais de aprisionamento do país e quase não há avanço visível.
As
entidades pediram, à época, que fosse deflagrada uma intervenção federal e que
as investigações sobre os crimes cometidos no complexo fossem federalizadas.
Nenhuma das medidas avançou, mas a dor e violência permanecem lá, intactas.
Por
fim, as famílias dos presos mortos não receberam indenizações – medida que
poderia indicar um reconhecimento do Estado de que fracassa, sistêmica e
gravemente, no cumprimento de suas mais básicas responsabilidades.
Vergonha
é Pedrinhas. Um verdadeiro mosaico de dor e injustiça, reflexo de anos de
abandono e de um sistema que ainda enxerga no encarceramento a única política
pública possível para os mais pobres.
*RAFAEL
CUSTÓDIO, 32, é advogado e coordena o programa de justiça da ONG Conectas
Direitos Humanos;
*JOSÉ MARIA RIBEIRO JÚNIOR, 32, é jornalista e presidente da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH);
*EDUARDO BAKER, 29, é advogado na organização de direitos humanos Justiça Global
*JOSÉ MARIA RIBEIRO JÚNIOR, 32, é jornalista e presidente da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH);
*EDUARDO BAKER, 29, é advogado na organização de direitos humanos Justiça Global
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