Na tradição cristã o Natal é a data da comemoração do
nascimento de Jesus, e como tal um momento em que valores como generosidade,
solidariedade e fraternidade são lembrados como mote da celebração. Nos
discursos apenas. Na realidade, Natal é época de compras, consumo.
Mais do
que momento em que expressamos afeto pela generosidade do presente, tratamos
nosso desconforto civilizacional e nossas depressões existenciais indo ao
shopping para obter o cumprimento da ilusória promessa de felicidade que o
consumo oferece
A hiper-complexidade
das sociedades contemporâneas não facilita uma leitura mais bem acabada de suas
macro-características. Não ousaria fazê-lo. Não me sinto habilitado a tanto.
Mas
minhas leituras e observações pessoais de nossa historia recente me trazem
algumas reflexões que se consolidaram em meu espírito sobre a forma em que
convivemos no mundo contemporâneo
Me parece
inegável que o correr do século XX e o inicio do XXI trouxe mudanças
substancias na forma de organização e produção do sistema capitalista.Não
apenas mudança de grau ou intensidade, mas verdadeiras mudanças de qualidade e
substancia.
Cada
momento da história sociopolítica e econômica da humanidade ressalta
características existentes na natureza das relações intersubjetivas de nossa
espécie. Mercado existia como fenômeno há muito em nossas formas de organização
social. A mercancia, a troca, é e foi instrumento relevante de sobrevivência da
espécie conforme nossas formas de organização social e de produção foram se
tornando mais complexas.
Mas é no
capitalismo que esta forma coletiva de troca e produção atinge seu ápice de
relevância na vida social, torna-se espinha dorsal de nossas formas de
organização social, política e econômica.
O
capitalismo adquire inegável caráter progressista na história humana em sua
versão industrial.
A
natureza disciplinar desta forma de produção repercute efeitos sobre todos os
ambientes da vida social. Instituições coletivas como escola, hospitais e até
restaurantes, organizados em modo hierárquico e a partir de disciplinas
substituem formas aristocráticas de acesso a bens coletivos. O Poder Estatal
passa a ser exercido a partir de sua submissão a normas, disciplinas coletivas
e não à mera vontade autônoma de seu governante.
O
capitalismo se traduz em sistema de contínua expansão. Por conta das conquistas
dos trabalhadores europeus no inicio do século passado, em busca de ampliação
de ganhos, o capital se espraia pelo mundo.
Desde o
século XIX até os dias de hoje pudemos observar a transformação do capitalismo
de forma européia em modo global de produção.
Na
contemporaneidade, contudo, outro fator de expansão vem a provocar mudanças que
me parecem substancial no sistema.
A
produção de mercadorias é secundarizada pela produção de seu fetiche. Mais do
que um sistema produtor de mercadorias, o capitalismo se transforma num sistema
produtor de subjetividade. Expande-se para a significação humana. Ocupa todos
os espaços da vida e do imaginário
A regra
econômica do condicionamento da oferta pela demanda é invertida. Oferta produz
demanda, como bem enxergou Steve Jobs
Em
verdade, modos de domínio e construção da subjetividade fazem parte do próprio
conceito de civilização. Religião, educação e mesmo razão e ciência são formas
de trabalho e domínio da subjetividade.
Mas creio
que nunca tivemos na historia humana um sistema sociopolítico e econômico que
tivesse na produção de subjetividade o vértice de seu funcionamento
E não me
refiro apenas ao âmbito limitado da publicidade e suas técnicas de marketing e
nem apenas ao espetáculo que tende a dominar a linguagem midiática.
Falo de
toda uma máquina de comunicação e sentidos que ocupam todo nosso espaço
imaginário, racional e afetivo. Impossível imaginarmos hoje uma historia
pessoal de romance sem os signos de Hollywood por exemplo.
Como conseqüência
evidente deste processo, o papel do consumidor vai substituindo o do cidadão e
os exércitos de reserva de mão de obra vão saindo da reserva para a cruel
exclusão da vida.
O sistema
passa a ter pelo poder da exclusão o exercício máximo do que Schimitt entendia
como soberania. A capacidade de transformar o direito em exceção, dando ao
poder o condão de disposição da vida do destinatário.
Vivemos
hoje um mundo recheado de estados democráticos, mas submetidos a uma governança
global imperial que se realiza em rede, sem contar, portanto, com o lugar que a
disciplina outorga ao poder, o que possibilitaria identificá-lo e limitá-lo.
E assim
vamos às compras, sem esquecer-se de comprar brinquedos e roupas para nossos
entes queridos e mesmo para crianças desamparadas e pessoas desfavorecidas.
Não nos
perguntamos a que custo vital se produzem estes bens tão baratos em alguma
parte do globo, seja pela quase escravidão dos trabalhadores que os produzem , sejam
pela exclusão necessária da vida de amplos contingentes humanos que o sistema
hoje exige para operar.
Mais que
autonomia de vontade, ser livre no mundo contemporâneo é ser espontâneo, e no
exercício desta espontaneidade entender que estamos todos inseridos num
contexto sistêmico em que o custo de nossa inclusão e sobrevivência é
compartilhar e fazer parte de um processo produtivo essencialmente antiético,
em que nem sequer o lugar nobre da inocência nos é possível ocupar.
Mas no
florescer mais intenso desta espontaneidade podemos transformá-lo, traduzir em
mecanismos de cidadania global o que hoje é ilimitado e regido apenas pela
força.
Assim
desejo a todos, que tiveram a paciência de ler esse texto um feliz natal.
Que este
Natal seja o nascer de nossa espontaneidade e que, através dela, em 2015 venha
a destruição não do mundo e da vida, mas da morte que ronda nossa civilização.
0 comentário "Entre o Capital e o Consumo esqueceram o nascimento de Cristo "
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