Quando vamos analisar
como Jesus se comportou na sociedade de seu tempo, vemos que nem todas as
coisas são claras. Às vezes encontramos embaraço para colocarmos certas
questões. A gente aborda a questão da atitude política de Jesus interrogando os
Evangelhos a partir de nossas preocupações. A partir de nossas interrogações,
também ele, o Evangelho, nos interroga e nos interpele. Fazemos como que uma
leitura dialética do Evangelho: há uma interpelação mútua entre nós, nossa
situação, e o Evangelho seu mundo e o pensamento político de Jesus.
A atitude de
abertura, de autocrítica:
1. Análise da sociedade,
da situação em que Jesus viveu. Se desligamos Cristo do seu mundo social,
produzimos um mito. É impossível aplicar as palavras e os exemplos de Jesus
para hoje sem levar em conta o mundo dele; o contexto sócio-político, as
estruturas vividas por ele.
2. A atuação política
de Jesus dentro da sociedade de seu tempo.
3. Lições que tiramos
dessa análise e desse confronto para os dias de hoje.
I – A SOCIEDADE EM
QUE JESUS VIVEU
Economia:
A sociedade em que
Jesus viveu deve ser analisada a partir da economia, das relações de produção.
Em termos econômicos era uma sociedade
pré-capitalista, transacional, substancialmente agrícola. Não era urm sociedade industrial como a nossa. Lá
predominava a agricultura. E como eram as relações na agricultura.
Latifúndio:
A propriedade da
terra na palestina, Judéia, Samaria, Galiléia, estava concentrada nas mãos de
pouca gente. Aliás, dá para perceber que no fundo de muitas parábolas, temos a
situação do latifúndio, da concentração da propriedade da terra. Por exemplo, a Parábola dos Talentos. O grande patrão antes de ir para a cidade entrega
os talentos, o dinheiro, para os seus servos, de maneira que esses possam
produzir. Temos a Parábola dos
Vinhateiros. O patrão que sai
arrenda a vinha aos empregados. Existem umas quinze Parábolas contadas por
Jesus tendo como pano de fundo o latifúndio.
Essas Parábolas
mostram a situação econômica do tempo de Jesus, mostram uma economia agrícola,
onde as relações das pessoas com a terra são relações de latifúndio.
Diante desta situação
Cristo tem uma atitude bastante critica, quando o Evangelho fala de riqueza;
em geral entendemos riqueza por dinheiro, por moeda. Enquanto a riqueza
principal daquela época era a propriedade da terra.
Cristo considera a
riqueza de uma maneira muito negativa, porque vê que propriedade da terra está
muito concentrada. Então a riqueza é um ídolo que faz concorrência com Deus. A
riqueza e um obstáculo para seguir Jesus Cristo, ou seja, para ser Cristão.
É difícil ser rico,
latifundiário, no tempo de Jesus e ao mesmo tempo ser discípulo ser Cristão. A
riqueza recebe uma das considerações mais fortes da sua boca, quando diz: ”É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma
agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus”. Mesmo diante do espanto dos apóstolos Jesus a repetiu sem pestanejar. E
qual é a sua proposta positiva?
A proposta positiva
do Cristo é a partilha. Cristo não é contra a terra. É contra a concentração da
terra nas mãos de poucos. Então sua proposta é a partilha.
Todos os discípulos de
Jesus têm de partilhar os bens, têm de entrar numa economia de partilha, de
socialização, para poder seguir Cristo. Ou seja, é impossível ser rico e ser seguidos de Cristo. Na perspectiva
de Jesus isto aparece muito claro. Nós é que, muitas vezes, obscurecemos o
fato por causa da ideologia do dinheiro que esta em nossas cabeças.
Artesanato:
O segundo pólo
econômico da época eram as atividades artesanais. O artesanato é o trabalho
manual em cima de qualquer matéria, com instrumentos muito rudimentares,
primitivos. No tempo de Jesus ele era mais desenvolvido nos grandes centros,
como em Jerusalém, onde havia uma camada de artesões mais qualificada. Nas
pequenas cidades da Galiléia, como Nazaré, era muito rudimentar.
Nós sabemos que Jesus
era artesão. Ele era um carpinteiro do interior, sem grande qualificação. O pai
de Jesus, São José, também era carpinteiro. A profissão passava de pai para
filho. Nas cidades pequenas esta atividade era muito explorada e
desprestigiada. Isso dá para compreendermos a posição de classe de Jesus. Na
verdade ele era um artesão que possuía alguns instrumentos de trabalho, mas exercia
o controle sobre a matéria-prima necessária para o seu trabalho. Na verdade ele
era ia artesão pobre.
Comércio:
O terceiro pólo
econômico era as atividades dos comerciais. Existia nas pequenas cidades um
comércio local (feiras) ,onde se fazia a troca, de produto. A economia monetária,
a circulação de dinheiro, era muito reduzida. Mas havia os grandes mercados,
como o de Jerusalém, com o controle de grandes comerciantes. Era mercados atacadistas, que
faziam importações, como o mercado do templo.
É importante
guardarmos este dado: a economia era principalmente rural e tem muito pouco a
ver com a nossa sociedade moderna, onde a economia agrícola é na verdade uma
economia de exceção, controlada pelo pólo industrial que leva â frente o
progresso de um pais moderno.
Quais eram as
relações de produção, as relações de exploração no tempo de Jesus?
Hoje a exploração
ocorre a nível de salário. O salário cada vez menor em relação ao custo da
vida. No tempo de Jesus, a exploração ocorria a nível de impostos, que
literalmente esmagavam o povo.
Não é à-toa que os
romanos dominavam a Palestina, que a tinham transformado em colônia. Eles estavam ali para tirar bens econômicos do
povo, através dos impostos. O sistema de impostos era o canal principal pelo
qual o povo era explorado pelos colonizadores romanos.
Havia dois sistemas
de impostos:
- O romano e o
- religioso.
O Imposto Romano: Era
dividido em três tipos:
a) Debário: Pago por
cabeça. Como os romanos poderiam controlar o seu pagamento? Através de
recenseamento ou censos. O próprio Jesus nasceu
numa época de recenseamento e, naquele tempo, houve um grande levante revolucionário
na Galiléia. Surgiu o movimento
guerrilheiro denominado “Zelotismo” dos Zelotes, que perceberam que o
recenseamento nada mais era do que a forma de garantir o imposto por cabeça.
b) Produçâo: Um
quarto da produção agrícola (25%) era entregue nas mãos do colonizador romano.
c) Circulação: Nas
grandes cidades, nas encruzilhadas, nas divisões das províncias, era taxado um
tributo de circulação.
O Imposto Religioso:
Era imposto judaico, para o templo, tem também três tipos:
a) DRACMA: Pago por
cabeço. No Evangelho aparece a referência quando o Sacerdote
diz a Pedro: “O mestre de vocês não paga a didracma, o imposto do Templo”?
Depois Cristo manda Pedro pescar. Ele encontra quatro dracmas embaixo da orelha
do peixe e os entrega como pagamento.
b) PRIMÍCIAS: Todo primeiro fruto da terra ou do
animal era entregue no templo, ao sumo sacerdote. E até mesmo todo filho que nascesse tinha de ser entregue
simbolicamente ao Templo, através de um animal. Os ricos entregavam camelos ou
bodes; os pobres, um par de rolas ou de pombinhos. Quando Jesus foi apresentado ao Templo, São José
levava um par de rolinhas para ser entregue no lugar da criança.
c) dízimo: Dez por
cento (10%) da produção vai para as mãos do sumo sacerdote, da classe
sacerdotal’ do Templo. E não havia um só dízimo, havia três ou quatro tipos: Dai percebemos o quanto era profundamente
explorado o povo no tempo de Jesus exploração que se fazia através do sistema
tributário.
Política:
Somente entendendo o
funcionamento da economia e que se entende a significação política de uma
crítica ao Templo.
No tempo de Jesus, o
Estado é o que chamamos hoje de teocrático. Ou seja, um Estado religioso. A constituição, as leis são a Bíblia, os
cinco primeiros livros chamados Pentateuco. Ela e a constituição, o código
penal, o código civil.
Quando os juízes vão
julgar alguém, eles interpretam aplicam as regras da Bíblia.
O sumo sacerdote é o
dirigente político da nação. Existe ainda o Sinédrio,
que é uma espécie de tribunal, de conselho, formado por 80 homens que dirigem a
nação, tendo à frente o sumo sacerdote.
Qualquer
comportamento religioso, nesta situação, e um comportamento político. Não
havia divisão, política de um lado, religião de outro. Hoje nós temos uma
divisão institucional entre Igreja e governo. Naquela época ano. A Igreja
judaica era a sede do poder político, e o sumo sacerdote, o governante da nação.
É muito importante
entender que religião e política era uma coisa só e qualquer comportamento
blasfemo, irreligioso, era subversivo. Quando Cristo, por exemplo, cura em dia de sábado e não observa as
tradições, ele está tendo um comportamento subversivo, antipolítico. Só levando isso em consideração é que entendemos o
quanto Cristo era político, o quanto ele rompia com a ordem social porque para
fazer política bastava praticar religião de uma outra maneira. Isso era
política de oposição.
Estruturas De Classe:
A sociedade era
piramidal, com a nossa, por sinal. A classe alta era composta pelos
funcionários, pelos detentores do Estado: Sumo Sacerdote, Sinédrio e Estado
romano, O rei Herodes, o governador Poncios Pilatos e a Corte, Esse era o
primeiro pólo da classe rica, O segundo polo da classe rica era constituído
pelos proprietários de terra, pelos latifundiários. No Evangelho aparece muitas
vezes a referência aos anciãos. Quem eram os anciãos?
Eram famílias tradicionais, donas de terras. Por fim, tinham os grandes
comerciantes do mercado importador-exportador, do mercado atacadista, sobretudo
de Jerusalém.
Depois da classe
rica, vinham os “remediados”. Eram os artesãos qualificados, dos grandes centros
urbanos, que não eram tão grandes assim. Jerusalém deveria ter de 35 a 40 mil
habitantes. Nazaré, de 20 a 30 famílias. Toda a Palestina, a sociedade em que
Jesus viveu, deveria ter de 600 a 800 mil habitantes.
Além dos artesãos, a
classe intermediária era constituída pelos pequenos agricultores, pequenos comerciantes
e profissionais liberais, que, naquele tempo, eram os escribas e os fariseus. Na verdade, os escribas não eram ricos. Eram uma
classe intermediária que estava em ascensão, com a hegemonia da sociedade. Nessa posição havia a classe do baixo clero, os
sacerdotes do templo e os levitas, que giravam em torno de 17 mil pessoas. Como
os sacerdotes naquele tempo casavam, constituíam famílias, existia cerca de 80
mil pessoas dependentes deles. Por aí se compreende como deveriam ser altos os
impostos, porque estas oitenta mil pessoas eram totalmente sustentadas pelo
fisco.
Por fim, a classe
baixa, formada pelo povo. O povo era muito fragmentado, tanto que o Evangelho
diz “multidão”. O que é multidão? É a massa de gente, sem maior coesão interna,
sem espírito de classe. São Mateus diz: “Jesus
olhou a multidão e teve pena, porque ela estava prostrada e cansada como
ovelhas sem pastor”. No meio do povo
existia toda a sorte de trabalhadores. Eram artesãos do interior, diaristas,
arrendatários rurais, escravos, criados, e também existia toda a sorte de
marginalizados: Leprosos (que eram os últimos dos últimos), Doentes, Mendigos,
Órfãos, Viúvas, Estropiados, Loucos, Possessos. Chamavam de possessos as
pessoas que, por causa de suas condições sociais, ficavam loucas. Isso mostra o
nível a que estava reduzido o povo, o grau de deterioração das condições de
vida.
Além dos critérios
econômicos, havia outros: uma pessoa de sangue judeu tinha mais status social
do que outras. Um filho de uma pessoa adúltera ou de um estrangeiro ou de um
samaritano já não tinha muita consideração, O critério de sangue também
prevalecia.
Se a pessoa era rica,
mas pertencente a uma profissão considerada pecaminosa, também era
desprestigiada. Naquele tempo, um fiscal, economicamente falando, estava bem
posicionado. Por que? Porque teve de comprar essa posiçác4já que ela
era leiloada e rendia muito. Em geral, os fiscais se tornavam rapidamente
ricos.
Mas o povo
considerava que mexer com dinheiro era uma profissão pecaminosa, por isso os
fiscais eram desprezados e marginalizados Assim entendemos porque Jesus almoçou
com eles. Foi porque eles eram ricos? Não, porque eram marginalizados.
Também os
trabalhadores do campo eram desprestigiados, devido à própria função que
impedia a prática escrupulosa da Lei.
Assim, o critério
econômico ano e suficiente para entendermos a firmação de classes no tempo de
Jesus. É necessário levar em consideração também os critérios de sangue,
religiosos, ideológicos e culturais.
Partidos Políticos:
Existiam três
partidos políticos principais:
1 – Saduceus: Nele
se encontrava a classe rica: O alto clero, os proprietários de terra (anciãos).
Como dá para desconfiar, era um partido totalmente “capacho”, pró-romano. Não
tinham nenhuma posição crítica frente ao poder romano. Por quê? Ora, porque ele
era mantido sem nenhuma perspectiva messiânica. Eles não acreditavam na vinda do Messias, porque o Messias significa
mudança. Ele se opunha a mudança, porque se
beneficiava da situação tal como ela era, e mantinha a ideologia da
conservação. Era extremamente conservador e reacionário. Este partido se concentrava em torno do templo,
tinha os papéis principais’ do governo colegiado do Sinédrio e detinha o poder
político.
2 – Fariseus:
Composto por leigos,
da classe média ascendente. Ascendente porque os fariseus e os escribas
controlavam a interpretação da Bíblia. Como saber é poder, eles estavam subindo
na sociedade e adquirindo bastante postos no Sinédrio, dentro do governo
Judeu. O partido era formado pelos
intelectuais do templo, pelos advogados, copistas, teólogos. Frente aos romanos ele era uma espécie de oposição
confiava. Tinha uma resistência pacifica. Seus membros pagavam os impostos e
se submetiam para evitar o pior. Procuravam ganhar espaço pouco a pouco, com o
tempo.
Seus partidários se
concentravam em torno da Sinagoga, porque aí era o lugar em que se lia a Lei de
Deus, Era a liturgia da palavra. eles dominavam porque eram os únicos que
sabiam ler e interpretar a Lei Bíblica. Tinham a hegemonia, no sentido de que
detinham a direção moral, intelectual; o povo confiava neles. Então, na
verdade, detinham o poder na mão, Um historiador daquele tempo dizia que o
povo era o aliado natural dos fariseus,
3 – Zelotas: É um partido radical, que rompe definitivamente
com os romanos e adota a prática da guerrilha, da violência armada. Nascido na
Galiléia, é integrado sobretudo por camponeses escravizados por dívidas.
Visa realmente
destruir a estrutura política romana e também o poder judaico “capacho” dos
saduceus. Em certos momentos, fazem alianças com os fariseus.
Para entender como é
que Jesus se posiciona diante dos revolucionários, é necessário lembrar que
esse partido tem um projeto nacionalista na cabeça. Além da independência da
Palestina, ele tem um projeto expansionista, imperialista. Quer colocar o judeu
no centro e sobre todos os outros povos, e criar um império mundial judeu. O
César judeu seria uma espécie de César-Moises, César Bíblico que dominasse o
mundo, já que isso estava nas profecias da Bíblia.
No projeto dos
zelotas havia também a restauração de teocracia, do rei santo, muito parecido
com Davi.
Cristo age ao
contrario. Ele dessacraliza o poder político, não pensa em poder religioso,
teocrático. Deste ponto de vista, há diferença entre Cristo e os
revolucionários zelotas.
Existiam ainda outros
partidos de significação menor, como os essenios, os heroditas e outros, e
tinha também o povo, o “povilhéu” como era chamado a gente da terra. Era o povo
sem organizações populares de base e que estava mais sob a dominação dos
saduceus e dos fariseus.
Cultura:
Existiam três
características básicas da cultura na época de Cristo:
1 – Legalismo:
A ideologia
preconizava o culto. e a observância rígida da Lei. A Lei era uma espécie de
força que impedia toda a criatividade, toda força, exuberância. Esse legalismo,
mantido sobretudo pelos escribas, pelos doutores da Lei, era extremamente
funcional. Servia para acobertar as iniquidades do regime e manter o povo dominado.
O legalismo não era um desvio puramente moral ou religioso. Tinha uma função
também política. Por que a Lei era tão rigidamente aplicada?
Para poder manter o povo submetido, O conhecimento dos doutores da Lei se
baseava em uma espécie de conhecimento se ereto, esotérico ou seja, somente
eles sabiam ler e interpretar a Lei. E isto era feito com um vocabulário
complicado, difícil, de modo que deixavam o povo confuso e crente de que eles
entendiam os mistérios de Deus. Assim o povo entregava sua liberdade nas mãos
dos fariseus, dos doutores da Lei. Só desse modo compreendemos as violentas
investidas de Cristo contra os Escribas e os Fariseus. No capítulo 23 de Mateus, lemos um dos textos mais
violentos de toda a literatura antiga: “Ai de vós, Escribas e Fariseus hipócritas,
que sequestrastes as chaves da casa da ciência”. E, falando do saber secreto
deles “Vocês ano entraram nela e impedem aos outros que entrem”. As investidas de Cristo são contra esta carapaça
que Escribas e Fariseus mantinham em cima da consciência do povo.
2 – Messianismo:
Nessa situação intolerável de exploração econômica, de dominação política, de
marginalização religiosa, as esperanças em um libertador se aguçavam de
maneira extrema. Esperava-se um Messias para libertar o povo dessa opressão,
dessa situação intolerável. O povo imaginava o Messias do tamanho de seu
desejo e de suas necessidades. Ou seja, o Messias seria um grande benfeitor que
viria trazer pão, saúde, libertação de todas as opressões. Mas que Messias?
Aquele que vinha libertar a Palestina da dominação romana para fazer com que
pudessem ler, estudar e praticar a Lei com sossego. É um outro tipo de Messias,
é um Messias também de classe. O povão esperava o Messias realmente material e
a espera era feita de uma maneira urgente, delirante, de uma hora para outra.
Isso porque a situação estava insuportável que pior não podia estar. Um
historiador romano, Flávio Josefo, conta que na época em que Jesus viveu
surgiram cerca de trinta messias, dizendo-se reis, libertadores. Todos acabaram
mortos, massacrados pelo poder romano. Quando apareceu João Batista, o povo
perguntou se ele não era Messias. Assim ocorreu com Pedro, Judas Galileu e
também com Paulo. Havia uma expectativa incrível de um salvador, libertador, e
se investiam sobre. as pessoas que apareciam com uma certa perspectiva de
libertação.
II – O POSICIONAMENTO
DE JESUS
Existia dois dados
nos Evangelhos em torno dos quais não há qualquer contestação:
“Jesus vivia na
companhia dos pobres, dos oprimidos. Sua base social eram os oprimidos e
marginalizados daquela sociedade. No capitulo 8 de São
Mateus vemos que os seus primeiros milagres as curas de pessoas rnarginalizadas,
Jesus, aqui reata com a boa tradição profética que é a defesa dos pequenos. A tradição farisaica dizias “Afasta-te dos pobres,
dos pecadores, porque são malditos”. A condição de vida dos pobres lhes impediam de praticar a Lei.
Portanto, concluía-se que eram pecadores.
Cristo diz ao
contrário. Ele se aproxima, defende os pequenos. Ele é do partido dos pobres,
dos oprimidos.
Cristo tem uma
atitude critica frente aos poderosos. O conflito entre Jesus e os dirigentes do povo
atravessa os Evangelhos de ponta a ponta. No Evangelho de São Marcos, o mais
antigo dos Evangelhos (embora apareça em segunda posição no livro do Novo
Testamento), a gente percebe um progresso na oposição entre Cristo e os
dirigentes. No capítulo 2, quando cura um paralítico, os Fariseus cochicham
entre si e dizem. “Esse homem blasfema, porque ele perdoa pecados”. No capítulo
2, Jesus esta jantando com os publicanos. Os Fariseus conversam com os
discípulos e dizem: ”Como é que o mestre de vocês almoça com os publicanos”.
Logo em seguida, quando os discípulos infringem o sábado, esmagando,
descascando as espigas de trigo e comendo, então ai aparece o ataque direto a
Cristo: “Como é que seus discípulos infringem o dia de sábado?” Mais adiante,
atacam-no porque ele não lava as mãos antes de comer, desrespeitando a tradição.
Era Jerusalém, o
conflito é aberto. Jesus ataca diretamente
os Escribas, Fariseus, os Sumo Sacerdotes e os Saduceus, Expulsa os vendilhões
do Templo, e declara que o Templo vai acabar. O Templo significa o sistema da época. Amaldiçoa também a figueira,
símbolo do sistema Judaico, A maldição da figueira significa maldição ¹daquela
sociedade. Foi logo entendido esse gesto profético de Jesus. É claro, uma
semana após ela é levado ao tribunal, e condenado a morte na cruz.
“Teve um grande
teólogo judeu que escreveu um livro chamado” Jesus e os judeus.” Ele mostra de
maneira clara que quem matou Jesus não foi o povo judeu. Foram os dirigentes,
os chefes do povo de Israel. O povo judeu, ao contrário, estava ao lado de
Cristo. Vemos inclusive que os chefes somente conseguiram pegar Jesus
escondidos do povo, traindo, comprando um discípulo.
Jesus teve urna
posição não politicamente direta e sim profética. Ele não tinha programa
político definido, como o tinham os Zelotes, os Saduceus e os Fariseus. Ele
também não fundou uma corrente política que visasse diretamente o poder.
É verdade que
existiram grandes historia dores que consideraram Jesus um Zelote. E isso
porque o seu discurso critico, violento, era parecido com o dos Zelotes. Cristo
também expulsou os vendilhões do Templo, coisa que os Zelotes queriam e,
sobretudo porque ele morreu como um
revolucionário, como um Zelote, como um criminoso político. Está inclusive “escrito em “cima de sua cruz”:
Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. Quer dizer, um chefe Zelote, um rei Zelote,
assim é condenado na Cruz. Por todos esses motivos, ele teria sido considerado
um Zelote. Mas existem outros dados que demonstram a desaprovação de Cristo em
relação à prática dos Zelotes. Temos as palavras de perdão, de não violência.
Jesus anda em companhia dos fiscais, se relaciona com os romanos e resiste à
tentação do poder, o que não ocorria aos Zelotes. E ele guarda o segredo
messiânico. Ele não queria revelar sua identidade messiânica para não provocar
atitudes de sublevação no meio do povo, pois achava que isto iria ser um
suicídio.
Parte do ideário, da
concepção, da mentalidade do programa Zelote era partilhado por Jesus. Parte
era combatida.
Jesus era um ser
apolítico? Alienado?
Por outro lado, Jesus
não era um ser alienado, indiferente. O poder uma tentação satânica, mas o
poder em questão era o de dominação, Jesus
nunca foi contra o poder como tal, enquanto poder de serviço. Ele foi contra o
poder de dominação. E se guardava o
poder messiânico, era porque o povo fazia uma idéia mística do Messias. Uma
idéia mágica de um Messias milagreiro, demagógico, paternalista, portanto uma
idéia não libertadora, não autêntica.
Cristo teve uma
atuação política verdadeira, mas a nível profético. Foi um revolucionário
profético. A sua grande idéia é a do Reino de Deus, que é um projeto radical.
total de transformação da sociedade. Quando
prega o Reino de Deus, prega uma revolução integral, uma revolução absoluta.
No fundo, a raiz da
proposta de Cristo e, na verdade, profética. Mas ele tinha implicações e
efeitos claramente políticos. Essa proposta leva-o a atacar o Templo, o cérebro
central da exploração do sistema. Porque era profética, a sua proposta tinha
uma implicação política. E os efeitos disso também são políticos. Vemos que Cristo é perseguido continua mente
durante toda sua vida pública ele; é julgado por dois tribunais pelo religioso
onde foi declarado blasfemo; pelo romano, onde foi condenado exatamente como
Messias, como revolucionário. E basta olharmos o
crucifixos para nos darmos conta de que esse símbolo da nossa fé é ’ um símbolo
originariamente político.
III – JESUS NOS DIAS DE
HOJE
Esse modo concreto de
Jesus viver a sua relação na sociedade, que arranca o profético, da sua fé em
Deus, e que envolve e tem implicações políticas, é o modelo a que, sobretudo
se propõe a hierarquia e as comunidades cristãs.
Entendemos a maneira
de Jesus se comportar no seu templo da mesma forma que entendemos a maneira de
a Igreja, os bispos e as Comunidades Eclesiais de Base se comportarem na
sociedade de hoje. Embora a raiz, em ambos os casos, seja de fé Evangélica e
porque é de fé Evangélica, os frutos, as conseqüências são e não podem deixar
de serem políticas.
O comportamento
histórico concreto de Jesus e o comportamento que a Igreja, os pastores e as
comunidades seguem ainda hoje, com as mesmas implicações que ele teve, mas, e
a política no sentido direto, especifico? Essa atividade especifica de
organização do povo em vista do poder como, por exemplo, uma atividade
sindical uma atividade partidária’: Jesus, na verdade, não praticou expressa e
diretamente esse tipo de política.
E por isso nós não
vamos praticá-la? Devemos entender os limites de Jesus, porque são os limites
de seu tempo. Jesus era uma pessoa historicamente limitada. Não era um homem de
século II, pós-marxista. Ele tem uma consciência política também limitada pelas
condições do seu tempo. E as condições concretas de sua época limitavam o poder
e a capacidade do povo. Ou seja, era impossível organizar o povo de tal maneira
que ele pudesse obter o poder e exercê-lo de maneira adequada. Mesmo que Cristo
tivesse na cabeça um projeto revolucionário de conquista do poder e de
organização de uma sociedade alternativa, não havia condições históricas para
que isso fosse desenvolvido.
A gente tem de ver
que Jesus era um homem do século I. Ele não e um Lula de hoje. O Lula é o Lula
por causa da sociedade do século XX, e da sociedade de São Paulo. Se tivesse
ficado era Pernambuco, não seria o Lula de hoje. Quer dizer, a gente é também a
sociedade onde a gente vive.
Então Jesus era
limitado pelas possibilidades políticas daquele tempo. Era uma limitação do
mundo dele.
Se Cristo viesse
hoje, quem sabe se ele não entraria para um partido político. Por que não vemos
de entender que ele viveu em urna situação, com possibilidades pessoais e
biográficas muito limitadas. E nós que vivemos numa sociedade que se politiza e
se organiza cada vez mais, devemos entender isso. Devemos também, a meu ver,
traduzir em termos políticos as propostas do Evangelho de Jesus. As vezes o
Evangelho tem propostas limitadas a nível individual, como por exemplo, o bom
samaritano que se curva diante do despojado para ajudá-lo. Devemos fazer uma
tradução política disto; porque essa é a nossa mentalidade.
Não devemos ver Jesus apenas no passado, há
dois mil anos, mas devemos vê-lo vivo, ressuscitado fazendo política hoje.
Como? Através dos movimentos históricos,
dos grupos sociais dos cristãos e nâo-cristãos.
E, em relação a isso,
terminaria com uma frase do teólogo Bonhoffer, que morreu no campo de
concentração por ter participado de um complô para liquidar Hitler:
“O burguês, quando
diz: “JESUS É O FILHO DE DEUS”, diz muito menos de Jesus do que um operário
quando diz: “JESUS FOI UM REVOLUCIONÁRIO”, ou simplesmente quando um operário
diz: “JESUS FOI UM HOMEM BOM”.
(Este texto de
Clodovis Boff foi tirado do livro “Fé e compromisso Político” – Pastora1
operária de S. Bernardo do Campo. Ed. Paulinas – 1982).
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