O
esgotamento do potencial do Fundo Nacional de Educação (Fundeb) para dar conta
dos desafios para a melhoria da educação brasileira foi ressaltado por
debatedores que participaram de audiência pública na Comissão de Educação,
Cultura e Esporte (CE) nesta quarta-feira (13). Para eles, os custos exigidos
vão além da capacidade dos municípios e a solução é ampliar a participação
federal no financiamento do ensino básico. Por isso, entendem que o fundo
precisa ser reformulado antes mesmo do fim de sua vigência, em 2020, numa
revisão do pacto federativo que envolveu sua criação.
— Há uma crise instalada e ela é de grandes proporções. Uma
delas diz respeito ao piso nacional dos professores — afirmou Cesar Callegari,
membro do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Callegari, que integra a Câmara de Educação Básica do CNE,
observou que em 2015, pela primeira vez, o volume de recursos destinados ao
Fundeb será menor em relação ao ano imediatamente anterior, em decorrência da
crise econômica, que reduz a arrecadação de tributos. No entanto, para o
próximo ano já está projetado um aumento de 12,5% no piso, quando muitos
municípios e até alguns estados já não cumprem o mínimo estipulado, hoje de
pouco mais de R$ 1,9 mil por mês.
Custo-aluno
A audiência debateu a implantação do Custo Aluno-Qualidade
(CAQ), a pedido da senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que dividiu com o
presidente da CE, senador Romário, a coordenação dos trabalhos. A partir de sua
implantação, o CAQ vai servir de parâmetro para o cálculo das despesas com o
ensino básico. Para se chegar ao gasto por aluno, em cada nível de ensino, o
cálculo deve incluir salas com número ideal de estudantes, equipamentos
adequados, como computadores e material didático, boa infraestrutura
(laboratórios, bibliotecas e quadras esportivas, por exemplo), além de
professores bem remunerados e capacitados.
O atual Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei
13.005, de 2014, estabeleceu uma modulação temporal para a adoção do novo
referencial de financiamento. Estipulou prazo de dois anos, até julho de 2016,
para a implantação do Custo-Aluno Qualidade Inicial (CAQi), pautado em padrões
mínimos para se atingir uma educação de qualidade. Depois, os valores serão
progressivamente reajustados até se atingir o valor ideal, que se transformará
no CAQ e espelhará padrões de gastos próximos aos de países mais avançados.
Lentidão
Houve críticas ao Ministério da Educação (MEC), já que o tempo
vem passando e até o momento a pasta ainda não homologou parecer do Conselho
Nacional de Educação (CNE) que consolida base de cálculo do CAQi. O coordenador
da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), Daniel Cara, em sua
apresentação, mostrou que a proposta deve ser homologada até o fim de maio para
constar das leis orçamentárias para o ano de 2016. Segundo ele, o MEC precisa
se abrir ao diálogo e suas razões para negar a homologação são frágeis.
— As objeções não são suficientes para obstar a homologação de
parecer tão central para a garantia da educação pública de qualidade — afirmou.
Ainda segundo Daniel Cara, em relação ao CAQi é possível a
implantação por meio do atual Fundeb, que complementa os gastos com educação
feitos dos estados e municípios que não conseguem atingir o piso básico por
aluno. Nesse caso, o governo federal teria que aportar adicionalmente 30
centavos ao fundo, por aluno. Assim, a contribuição da União subiria de 10 para
40 centavos.
Com base no ano de 2012, em que o governo destinou R$ 9,4
bilhões ao Fundeb, ele disse que o complemento teria que chegar a R$ 46,4
bilhões – o que significaria a União gastar mais 1% do PIB, de forma a garantir
o novo padrão de financiamento. Se isso acontecer, segundo Daniel Cara,
municípios, estados e União passariam gastar, em termos médios, cada um, cerca
de 35 centavos por aluno, numa distribuição mais justa dos gastos.
— A gente estaria assim numa perspectiva de justiça federativa
que emana do próprio Plano Nacional da Educação — defendeu.
Flávia Nogueira, diretora de Articulação com os Sistemas de
Ensino do MEC (SASE/MEC), procurou transmitir tranquilidade quanto ao
cumprimento do prazo para a aplicação do novo parâmetro de financiamento.
Segundo ela, o mecanismo deverá ser implantado dentro do período de dois anos
estabelecido no PNE. Admitiu também que dentro do órgão há diferentes visões
sobre a modelagem do conceito aluno-qualidade, mas assegurou que ao fim haverá
uma solução consensual.
Na visão do MEC, disse Flávia Nogueira, a discussão sobre o
conceito não pode ser apartada do debate sobre o novo Sistema Nacional de
Educação (SNE), igualmente previsto no PNE e com mesmo prazo para implantação.
Ela completou que essa discussão deve desaguar em mudanças na Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDO).
— A LDB deve voltar a receber um capítulo sobre o novo sistema e
aí o conceito aluno-qualidade deve estar presente — adiantou.
Entrave
político
Na avaliação de Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e
Inovação do Instituto Ayrton Senna, os interessados precisam se comprometer e
cobrar a homologação do CAQi. Na opinião dele, a dificuldade é política e
decorre de um fato: quando o parâmetro começar a ser aplicado, os órgãos de controle
– tribunais de contas e Ministério Público – passam a contar com critérios mais
objetivos para cobrar do governo federal, prefeituras e estados o cumprimento
de padrões mínimos de qualidade nas escolas.
Quando integrou o CNE, até 2013, Mozart foi relator do processo
sobre a modelagem do CAQi. Depois que chegou ao MEC, disse ele, o parecer
aprovado pelo CE constituiu dois processos diferentes e percorreu diferentes
setores. Voltou ao CNE quase quatro anos depois, na forma de duas matrizes de
custos diferentes, o que teria gerado ainda mais dificuldades para análise no
curto tempo que restou para análise, antes que ele deixasse o cargo de
conselheiro.
Participou também do debate Andréa Gouveia, vice-presidente da
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped/Região Sul).
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